Cap 7º - Amor e Música




Capítulo 7

                Lucca não conseguia dormir, estava preocupado com Anelyse e ao mesmo tempo em êxtase por estar namorando de verdade alguém, tomou um banho longo para tentar sentir algum sono, mas de nada adiantou, era quase oito horas da manhã quando decidiu enviar uma mensagem no celular da menina, mesmo sabendo que ela não responderia.

                Princesa, bom dia! Espero não te acordar e que tudo esteja bem. Saudades, Luc.

                _Saudades... – sussurrou a si mesmo e riu, há anos não dizia isso a alguém que não fosse sua mãe, que costumeiramente não prestava atenção as palavras dele.
                Queria muito uma resposta, pensou se era prudente ligar e depois de um tempo decidiu não fazer e dormir um pouco, pois dali a poucas horas começaria a rotina entre dar aulas e participar de aulas de música. Adormeceu pensando em Anne, lembrando dos beijos trocados, do rosto vermelhinho dela quando fica com vergonha, acabou sonhando, não algo erótico como era costumeiro, mas com o encontro que tivera com o pai, no sonho o homem a proibia de vê-lo e teve vários acidentes estranhos, acordou amargurado.
                Reclamou quando percebeu que estava chateado por causa de um sonho idiota e resolveu se banhar para se preparar para a aula.


                Já passava das dez da manhã quando Jucelia resolveu acordar Anelyse, a mulher entrou sorrateiramente no quarto, olhou a filha deitada de bruços, seus olhos estavam inchados, o cobertor cobrindo parcialmente seu corpo. Cuidadosamente se aproximou tocando-a nas costas para acordá-la, mas não teve tempo nem de chamar, pois despertou com um grito de dor.
                _Ai mãe! – murmurou com um lamento sofrido.
                A mulher olhou assustada para onde antes estava sua mão, afastou o cobertor e ergueu a camiseta do pijama. Anelyse estava mordendo o braço e tremendo muito pela dor e pelo susto de acordar assim. Jucelia arfou olhando os vergões, estavam grossos, vermelhos e cobriam boa parte do cóccix e da curva das nadegas da menina, ameaçou colocar o dedos mas o mínimo roçar fez a garota gemer.
                _Eu vou matar o seu pai. – falou entre dentes.
                _Não mãe... ele ficou bravo porque demorei. – justificou.
                _Ele te chamou de vadia só porque você foi passear com um rapaz... ah se eu tivesse mandado você voltar para casa! – culpou-se, mas Anne a olhou de lado tentando não demonstrar o quanto estava dolorida.
                _Foi a noite mais incrível da minha vida mãe, isso... machucou e me magoou muito, mas não vai apagar o que a senhora me permitiu viver. Não faz isso com você, por favor.
                _O que você fez? – a mulher já imaginou a filha na cama aos gemidos com Lucca.
                _Calma mãe! – riu sem humor – Dei meu primeiro beijo e ele me pediu em namoro... me mostrou o estúdio de música dele e do Ricardo, foi mais que um cavaleiro, foi um gentleman. – a despeito da dor, estava realmente feliz pela noite passada, apesar de infeliz por seu pai ser um estúpido machista.
                _Você só beijou?
                _Só mãe, eu prometo. E ele disse que me respeita, que não quer me levar para a cama.
                _E você acreditou nele?
                _Ele foi sincero.
                _Você aceitou namorar ele?
                _Aceitei. – sorriu pela primeira vez sem se lembrar da dor – Ele me chama de princesa... – sussurrou.
                Jucelia sorriu, mas sabia o que enfrentariam com Luiz, beijou a testa de Anelyse e se levantou.
                _Você sabe que ele não vai deixar. – Anne concordou lentamente, pensativa – Vou pegar gelo para passar nas suas costas, vai aliviar a dor.
                _Obrigada mãe.
                Anne ouviu o celular vibrar e levantou com dificuldade indo até a bolsinha que largara sobre a escrivaninha do quarto, olhou a camisa de Lucca e sorriu pelo pai não ter notado o suvenir, pegou a camiseta na mão levando para a cama com ela e se sentou, atendendo o telefone.
                _Alô? – gemeu ao sentar na cama.
                _Anne? – a voz masculina a fez arregalar os olhos – Você está bem? Te acordei?
                _Lucca? – perguntou sussurrado.
                _Eu, sou eu... você está bem? – ficou preocupado ao ouvir o gemido dela.
                Não gostava de mentir, mas também não queria contar a ele, por isso respirou fundo tentando parecer bem.
                _To e você? Dormiu bem?
                _Estou bem, princesa. – pareceu mais aliviado – E não dormi muito, mas estou ótimo. Liguei para saber se quer carona para a escola de música.
                _Não sei se vou hoje...               
                _Por que não? Aconteceu alguma coisa? Você vai cantar hoje... – lembrou.
                Ela passou a mão no rosto e viu a mãe entrar no quarto com um balde com gelo e vários panos no braço, fez sinal para não falar nada e Jucelia apenas aguardou em silêncio.
                _Me dá um minutinho? – pediu a Lucca.
                _Claro. – estranhou, começava a ficar ainda mais preocupado com ela.
                Colocou o celular no mudo e virou-se para a mãe.
                _Acha que consigo ir à aula?
                _Se colocar roupas mais soltinhas... – disse – Pretende ir?
                _É minha apresentação e eu nem estudei, preciso ir mais cedo passar a música com a banda. – informou, mas pretendia ir ainda mais cedo para passar um tempo com Lucca se ele entendesse a indireta. Retirou o telefone do mudo – Luc?
                _Oi Anne – havia um tom preocupado em sua voz.
                _Eu vou, mas você não pode me buscar, se meu pai cruzar com você vai ser a segunda guerra mundial. – riu para disfarçar a realidade, ele riu chateado – Mas preciso chegar cedo para o ensaio.
                _Pode ir antes? – perguntou e ela sorriu com a deixa.
                _Daqui meia hora eu vou sair, tenho que estar lá.
                A mãe olhou desconfiada, mas nada disse. Começou a preparar os panos, afundando no balde de gelo.
                _Você não pode confirmar não é? Tem alguém ouvindo. – adivinhou.
                _Isso. – sorriu.
                _Estarei lá te esperando. Nos fundos da escola.
                _Ta bom, mas obrigada por oferecer a carona, mesmo assim. Até a noite.
                _Até daqui a pouco.
                Anne sorriu por ele confirmar mais uma vez que estaria lá. Desligaram e ela não conseguiu deixar de suspirar.
                _Vai se encontrar com ele mesmo depois do que aconteceu? – ralhou a mãe – Quer que seu pai te mate?
                _Ele me proibiu de namorar não de ver o Luc. – sussurrou notando que havia uma mensagem não lida no celular, seu sorriso aumentou quando leu, só entristeceu novamente ao perceber que a resposta seria que não estava tudo bem.
                _Deita. – a mãe ordenou e assim que Anelyse o fez ela ergueu a camiseta e abaixou o short do pijama. Gemeu ao notar que o quadril estava ainda pior, a região do bumbum estava roxa e com hematomas escuros, uma grossa lombada entre o cóccix e o bumbum – Não quero que enfrente seu pai de novo.
                _Mas não o enfrentei, mãe! Eu só sai... a primeira vez na minha vida que volto depois das dez da noite e sou recebida desta forma!
                _Você sabe que temos regras nessa casa.
                _Que o Vanni quebra todo santo dia. – argumentou.
                _Ele é homem... – colocou o pano gelado sobre as costas dela, Anne mordeu o braço para conter a dor, mas logo começou a aliviar com o contato gelado e foi relaxando. Resolveu não discutir com a mãe, era menor de idade e falar não ajudaria nada. Teria que descobrir uma forma de convencer o pai a aprovar seu relacionamento com Lucca.
                Os minutos demoraram a passar, do lado de fora Giovanni conversava com Leticia no celular, ouvia os gemidos da irmã e se calava todas as vezes, queria esmurrar o pai pelo ocorrido e se culpava por não ter esperado por ela para voltarem para casa, pois ela não levaria bronca se estivessem juntos. Respirou fundo voltando a conversar com a menina, que apesar de ter apenas treze anos de idade, era mais madura que qualquer mulher que ele conheceu ou se relacionou.
                _Mas me explica direito, ele bateu nela? – perguntou preocupada, pois nunca tinha visto Giovanni ficar daquela maneira, na verdade estava estranhando a reação do rapaz que se preocupava muito pouco com a família.
                _Bateu nela porque ela chegou com o Lucca. – sussurrou, podiam falar, pois Luiz estava na casa de um amigo concertando o banheiro.
                _Que horror... – sussurrou.
                _Seu pai faria isso com você? – o tom saiu quase num sussurro.
                _Acho que não, ele não é tão rígido. – sorriu de repente – Por que? Com medo dele me bater se você sair comigo? Ou com medo do seu pai te bater se você sair comigo?
                _Ambas as coisas. – riu baixinho.
                _Você gosta de mim, não gosta?
                Ele abriu a boca e fechou, então riu e agradeceu mentalmente por não estarem frente a frente, pois estava completamente sem graça.
                _Você sabe que sim. – sussurrou rindo. Parecia uma criança tímida ao dizer sua primeira declaração.
                _Sim eu sei, só queria confirmar que continua assim.
                _Você é travessa.
                _É que eu vi você de gracinha com a Aline de novo  e não gostei.
                _Eu a considero quase como uma irmã e você sabe.
                _Mas não gostei. – reafirmou.
                _Eu gosto de ver você enciumada. – confessou com um riso e ela riu também, fingia achar graça mas não gostava realmente da proximidade dele com a prima. Ficou em silêncio de repente ao ouvir um novo gemido de Anelyse – Acho melhor você não comentar com o seu irmão.
                _Acho que ele vai ficar sabendo de qualquer jeito.
                Ouviu alguém gritar ao fundo e ela resmungou alto tapando o bocal.
                _O que foi isso?
                _Ele quer falar com você.
                _Tudo bem.
                _Gio?
                _Ei cara, tudo bem? 
                _Bem e vocês?
                _Bem... – tentou não mostrar a raiva quando ouviu outro grito de Anelyse.
                _É que sua irmã não parecia bem ao telefone e tenho quase certeza que ela não vai me dizer o que há de errado. Você sabe?
                _Olha cunhado, prefiro que você pergunte a ela.
                _Vou perguntar, mas de qualquer forma, obrigado.
                Devolveu o aparelho para Letícia.
                _Ele parece abatido. – comentou com Giovanni.
                _Acho que vai ficar mais quando se virem... – Anelyse saia do quarto e entrava no banheiro para se arrumar, estava com os olhos inchados e um dos braços também tinha uma marca roxa – Ela ta horrível.
                _Seu pai tinha que ser preso. – irritou-se.
                _Não se ninguém der queixa. Fazia tanto tempo que ele não agia assim... não entendo.
                _Gi, tenho que desligar. – o cortou se apressando – Eu te amo mundinho.
                _Também te amo, pequena.
                Alguns minutos mais tarde, a mãe de Anelyse a ajudou a colocar uma faixa em volta da cintura depois de passar uma pomada para dor em suas costas, por cima colocou um vestido florido azul marinho, meia manga e na altura dos joelhos. A ajudou a vestir seu allstar preto pois não aguentaria andar de salto. Fez uma maquiagem mais pesada, pois precisava esconder os olhos inchados com base.
                Antes de sair do quarto novamente, dobrou a camisa de Lucca e colocou dentro da mochilinha que estava carregando, era melhor usar algo prático que algo muito bonito. Quando desceu para a cozinha já não sentia tanta dor ao se mover.
                _Já vai para a escola? – espantou-se Giovanni que estava ajudando a preparar o almoço.
                _Tenho ensaio. – disfarçou.
                _Você se sente melhor? – agora estava perto dela, olhando-a diretamente.
                _Sim, obrigada.
                _Então posso te zoar? – sorriu de lado e por ver que o único esforço dele era para fazê-la sorrir, balançou a cabeça confirmando, rindo antecipadamente – Vai sair com seus cabelos assim? Ta parecendo o bozo.
                _Esqueci de pentear! – riram. Rapidamente ela fez uma trança deixando de lado, a mãe havia lhe emprestado um par de brincos de perola.
                Giovanni sorriu genuinamente.
                _Você esta bonita pivete.
                _Obrigada. Vai comigo até o ponto? – pediu fazendo beicinho, ele não negou a acompanhando imediatamente.
                Ficaram em silêncio por um bom tempo, ela por não saber o que dizer e ele por não saber como abordar o assunto, estava se culpando pelo ocorrido.
                _Anne, me desculpe não ter te esperado. Queria tanto ficar mais tempo com a Letícia que fomos dar uma volta e não me preocupei com você, só avisei o Lucca que iria com a Aline depois.
                _Não tem problema.
                _Claro que tem! Se tivesse esperado, ele não tinha ficado bravo.
                Anelyse olhou para Giovanni e soltou um suspiro pesado. O abraçou carinhosamente e gemeu quando ele a envolveu com os braços, rapidamente aliviou a pressão.
                _Não quero que se culpe, eu não me arrependo de ter ido, de ter voltado com o Lucca, não me arrependo de nada. – falou encarando-o nos olhos – Ele me pediu em namoro. – sussurrou confidencialmente.
                _E você aceitou?
                _Claro! – sorriu – Mas não creio que o pai aceitará.
                _Faz como eu e a Lê, nos vemos sempre, mas não nos beijamos ou tocamos até ela completar quinze ou dezesseis. Espero que o senhor Dirceu libere com quinze. Falta muito tempo. – resmungou.
                _Dois anos, igual a mim.
                O ônibus apontou na esquina, por isso deixaram o assunto morrer e se despediram. Anelyse ainda tinha um pouco do dinheiro que o pai lhe dera e guardara os trezentos reais para alguma eventualidade. Ao se sentar no último banco com dificuldade, se perguntou como o pai conseguia ser tão gentil em um momento e tão estúpido em outros. Seus olhos marejaram com a lembrança da fúria contida nas cintadas.   

                Lucca estava na escola de Artes a mais de uma hora, olhava sem parar no relógio e não conseguia se concentrar nas partituras que levara para estudar, ouvira a irmã dizer que Anelyse tinha apanhado do pai, mas resolveu não comentar quando ela não disse nada. Estava furioso por ter deixado isso acontecer com ela e não fazia idéia de como abordaria o assunto. Sentia-se responsável por Anne, não apenas pela idade dela, mas também por ter firmado um compromisso de namoro entre eles.
                A ex-namorada também colaborava para o humor carregado do rapaz, pois não parava de incomodá-lo querendo satisfações sobre o ocorrido daquela madrugada, por fim se irritou resolvendo atender a mais uma de suas ligações. Sentou-se num banco no pátio aos fundos da escola, o local estava vazio e teria toda a privacidade que precisava.
                _O que você quer de novo, Lidia?
                _Precisa ser grosso desse jeito?
                _Fala logo porque não estou para bons amigos hoje.
                _Que foi, a criancinha não deu o que você queria?
                Ele apertou os olhos furiosamente, mas conteve a resposta.
                _Fala de uma vez.         
                _Por que fez aquilo comigo? Eu não merecia um termino pelo menos? Você não tem coração não? – começou a chorar, por mais que estivesse com raiva da garota, sabia que ela tinha razão ao cobrar alguma consideração da parte dele, passou a mão livre no rosto pensativo.
                _Eu nunca disse que tínhamos algo sério, Li. – suavizou o tom de voz – E realmente não esperava me sentir assim com a Anne... aconteceu e você fala tanto mal dela que fiquei com raiva quando a conheci melhor. Você foi tão injusta quanto eu com você por não ter conversado antes.
                _Se isso é um pedido de desculpas, você não sabe pedir desculpas.
                _Me desculpe. – disse sincero, mas havia uma raiva contida em seu tom de voz – Não quis magoar você. Aquele tapa me tirou do sério.
                Ele não viu que Anelyse estava às suas costas, continuou a conversa sem interrupção.
                _Ela mereceu, é uma vaca traidora!
                _Não é ela que é vaca aqui. – vociferou – Se você mudar um pouco, talvez consiga alguém que te leve a sério. Vou desligar, não to a fim de papo furado hoje.
                _Fica defendendo ela como se não a chamasse de gorda estabanada pelas costas também?
                _Gorda estabanada? – ele riu irritado, Anelyse estancou a alguns passos dele, chocada por ouvir ele dizer aquelas palavras, não notou o tom irritado dele – Nunca a chamei assim! Sempre foi você, em qualquer oportunidade! – ele respirou fundo e se levantou do banco onde estava antes, Anne já havia notado que ele a defendia e respirava calmamente para afastar as lágrimas que haviam estado em seus olhos antes, se deparou com ela ao se virar, mas não conseguiu disfarçar a tensão no rosto e nos olhos – Pela última vez, não me liga mais. – e fechou o aparelho se aproximando da menina pouco a pouco – Desculpe por isso. – sussurrou a puxando para um abraço.
                Anelyse envolveu a cintura dele tentando conter o gemido, pois a tocou justamente na altura dos machucados. Não teve sucesso, já que ele a apertou, pois queria sentir-se mais próximo dela. Colocou o rosto no peito dele e o espremeu ali, apertando bem os olhos para esconder as lagrimas traiçoeiras.
                _Não... hmm... precisa se desculpar. – conseguiu dizer.
                _O que houve? 
                Ele a afastou cuidadosamente e olhou em seu rosto, Anelyse começava a acreditar que a mania de dizer a verdade e sempre ser transparente não seria tão boa nesse momento em que não queria parecer fraca, criança e coitada. Respirou fundo mordendo os lábios quando ele passou os dedos sobre as lágrimas.
                _Me... machuquei e você segurou no machucado. – a mentira fez seu coração doer.
                _Se machucou como? – Lucca conhecia a resposta, mas queria ouvir dela.
                _Lucca... – começou, mas parou quando viu um sorriso involuntário passar pelos lábios dele – O que foi? – sorriu também, timidamente.
                _É bobeira. – tossiu – Ahm, fala, como se machucou? – recompôs-se.
                Anelyse franziu o cenho, mas resolveu que era melhor falar a verdade ou quase.
                _Bem... meu pai ficou bem bravo – diante do olhar dele que parecia querer destroçar alguém, ela se encolheu sem coragem de continuar – Enfim... não posso namorar até os dezoito.
                _Ele me disse. – suspirou e então a puxou novamente para seus braços, desta vez tocando apenas os cotovelos – Mas você omitiu como se machucou. – sussurrou com os lábios no lóbulo da orelha dela.
                _Assim eu não consigo responder. – disse muito baixo, sentindo seu corpo todo arrepiando com o toque, Lucca sorriu e manteve a posição, levando uma das mãos a nuca dela para fazer carinho – É que... – ela pensou antes de responder – Você me deve três respostas, eu te devo só uma, então ainda posso não responder duas vezes.
                Afastou-se com os lábios em formato de oh por causa da surpresa, depois riu.
                _Você é muito esperta para uma menina de dezesseis anos.
                _Meninas amadurecem mais cedo. – deu de ombros e sorriu, a dor nem importava mais só por saber que era compensada por aquele sorriso dado diretamente a ela.
                _Você é muito metida. – riu e então roubou-lhe um beijo rápido, olhando em volta com receio de alguém ver e contar ao pai dela – Vamos sair daqui? Você não precisa passar o dia aqui comigo.
                _Eu precisava ensaiar... – comentou baixinho.
                _Quer ir ao estúdio comigo? – havia um brilho nos olhos dele que fez Anelyse aceitar sem pensar duas vezes.
                _Vai me ajudar com a música? – pediu enquanto ele a ajudava a se sentar no banco da frente do carro.
                O carro estava estacionado no subsolo da escola, por isso Lucca não se preocupou que fossem vigiados, estava ficando paranoico com medo de Luiz ferir novamente a garota. Ela tentou não resmungar enquanto se sentava, mas ele era perceptivo demais para não notar. Sentou-se ao lado dela e puxou o cinto de segurança e o prendeu ao notar que ela não o fez.
                _Vou ajudar com tudo o que você precisar. – havia uma promessa oculta naquelas palavras, ela sabia que tinha mais ali do que somente a musica, sorriu sentindo-se protegida – Quer ir ao médico? Você não parece bem... – comentou baixinho, com medo dela se assustar.
                Sempre que parava para pensar, percebia o quanto a dor em suas costas se tornava latejante e mais aguda, talvez por estar com a faixa ou porque travou a musculatura quando apanhou, mas ir ao médico faria surgir perguntas que ela não queria responder. Fazia muito tempo que o pai não os tratava assim, desde que quase matara a mãe deles quando estava bêbado, havia mudado, nunca mais colocou uma gota de álcool na boca e passou a viver pela família. Anne não conseguia entender os motivos que o levou ao extremo naquela madrugada. Percebeu que Lucca ainda aguardava uma resposta e colocou a mão no rosto dele.
                _Não preciso de medico, mas obrigada. – puxou delicadamente o rosto dele para si, reivindicando os lábios dele.
                Hesitante ele a beijou, sentindo a saudade cobrir seus lábios, lentamente deixou-se levar por aquele ato, esquecendo por um momento o que o preocupava. Quando afastaram-se ela tinha um sorriso tão grande nos lábios que resolveu não pressionar mais e partiram para o estúdio.

                Era hora do almoço quando Luiz entrou em casa, não cumprimentou ninguém subindo direto ao quarto da filha, abriu a porta sem nem bater e encarou a cama vazia.
                _Cadê ela? – gritou.
                Jucelia estava às suas costas antes mesmo que chamasse e Giovanni a dois passos da mãe. Ela estava com medo não apenas por Anelyse, mas por tudo o que já havia passado com ele e que sabia que era capaz de fazer. Respirou fundo para que a voz saísse firme.
                _Foi a aula de música.
                _A essa hora? A aula dela é às quatro da tarde, não sou imbecil, mulher. – passou por ela sem parecer nota-la a empurrando contra a parede – Aonde sua irmã esta? – inquiriu olhando diretamente nos olhos de Giovanni, mas ele estava preparado e não hesitou.
                _Na aula de canto. Hoje ela vai se apresentar, esqueceu? – cutucou.
                O homem pareceu cair em si e endireitou a postura, olhou para ambos e desceu as escadas para a cozinha, sentou-se à mesa sem nada dizer. Pouco tempo depois era servido por Jucelia que fazia cada ato com silêncio estremo, tentando não roçar os talheres ou a louça para não irritá-lo ainda mais.
                Ela queria saber o que aconteceu para ele voltar a ser assim depois de tantos anos, não era possível ser apenas porque o rapaz era mais velho que Anelyse e daria um jeito de descobrir, assim que Giovanni fosse para a aula também.
                Almoçaram em silêncio, Giovanni ocupado com as mensagens que trocava com Letícia contando como o pai estava carrancudo, Jucélia tirando os pedaços de cebola do arroz e enrolando pois não sentia fome, tentava traçar alguma idéia para abordar o homem e saber o que o preocupava de verdade.
                _Vou te levar na escola. – avisou olhando para o filho.
                _A Aline vem me buscar hoje. – não esperou que o pai respondesse, levantou-se colocando o prato sobre a pia e saiu para se arrumar.
                _Vou levá-lo. Quero ver com meus próprios olhos se ela foi para aquela escola.

                A cena parecia se repetir, porém com algumas mudanças, era dia e Lucca estava sentado à frente do piano dedilhando uma melodia, já ela acomodara-se no mesmo banquinho, segurando o microfone na mão direita e a bombinha na esquerda só para prevenir.
                _Quer passar a música mais uma vez? – perguntou a ele com um sorriso de deslumbre.
                _Não, acho que consigo enfrentar o publico agora que tenho você para me apoiar. – confessou.
                Lucca levantou-se e se acomodou em pé entre as pernas dela. Deslizou os dedos por sua nuca e costas e percebeu quando ela retesou o corpo, tinha esquecido completamente do machucado e com rapidez afastou os dedos.
                _Como foi que você machucou as costas? – quis saber tentando soar o mais natural possível, pois a raiva que estava acumulando pelo pai dela, só cresceu.
                Resmungou com a testa apoiada ao peito dele.
                _Honestamente, eu não queria responder a essa pergunta.
                Com o indicador ele ergueu o queixo dela depositando um beijo cálido em seus lábios.
                _Só estou preocupado e queria fazer algo para diminuir sua dor. Desculpe se me intrometi em sua vida, Anne. Não queria ser enxerido.
                _Não é isso... – encarou-o – Não quero te preocupar com os meus problemas.
                _Somos namorados Anne, eu não sirvo só para trocar beijos com você, mas para te ouvir também.
                _Eu sei...
                Ela sorriu com o comentário e sentiu-se impelida a contar, notando isso, Lucca a ajudou a descer do banquinho e a levou até a sala. Sentaram-se no sofá e rapidamente abriu os braços para acolhe-la.
                _Me conta. – com jeito ela se aninhou a ele e fechou os olhos.
                _É que... você promete não comentar com ninguém?
                _Prometo.
                _Meu pai sempre foi muito explosivo e quando éramos mais novos ele bebia então não tinha muito controle sobre suas ações. Há alguns anos ele chegou bêbado em casa e bateu tanto na minha mãe que tivemos de levá-la ao hospital, mas como não fizemos queixa não aconteceu nada com ele. – Lucca reprimiu uma careta e começou a brincar com os cabelos dela, estava esperando ouvir o que acontecera na noite anterior – Depois desse dia ele jurou nunca mais beber e realmente cumpriu. Passou a exercer seu papel de protetor, pai, marido e tinha até me esquecido desse lado agressivo dele.
                _Mas? – incentivou.
                _Ele não bebeu, mas ontem perdeu o controle e... eu realmente não queria falar. – Anne respirou bem fundo com as lágrimas brotando nos seus olhos e resolveu que era melhor dizer de uma vez – me bateu.
                Ficaram em silencio por um tempo, Lucca a beijou na cabeça carinhosamente, era a segunda vez em toda sua vida que se sentia tão ligado a alguém e precisou de todas as forças físicas e mentais para se manter no lugar, sem brigar ou sair dali para bater no homem. Anelyse não se incomodou que ele não dissesse nada, imaginava como estava surpreso com a notícia já que seu pai era exemplo de bondade e amor para com a família. Realmente havia mudado, mas ao que parecia, o possível namoro o fez esquecer da promessa.
                _Ele falou porque te bateu? – perguntou baixinho, concentrado nas caricias que fazia nela.
                _Porque cheguei tarde, porque você é mais velho... me chamou de vadia, perguntou se queria engravidar. Coisa de pai. – deu de ombros já que não se lembrava exatamente se o pai dissera algo, a dor suplantara tudo – Ah! Falou que só posso namorar com dezoito anos.
                _Eu espero. Não quero que ele te machuque de novo. – sussurrou – Eu devia ter te levado direto para casa e não pedido mais tempo. – murmurou mais para si mesmo.
                _Ei, eu quis vir, eu quis. Ninguém é culpado se não meu pai. Mas eu sei que ele vai me pedir desculpas e tudo ficará bem, não se preocupa, ta? – ela ergueu os olhos do peito dele e sorriu.
                _Eu vou me preocupar, Anne. Você não entende... – ela esperou que ele explicasse – Eu realmente gosto de você. – para ele aquela frase resumia tudo, todas as suas preocupações e medos.
                _Você não precisa se preocupar tanto, mas agradeço pelo cuidado que tem comigo. Confesso que nem em meus sonhos mais loucos, imaginei um dia estar realmente tão perto de você. Espero não acordar nunca...
                _Não é um sonho. – interrompeu e a beijou calorosamente, afundando os lábios nos dela sem nenhuma pressa.
                O celular de Anelyse interrompeu a conexão entre eles, ela sorriu melancólica, imaginando que fosse o pai e atendeu o aparelho.
                _Alô?
                _Anne, é o Gio. O pai vai me levar para a escola, então é bom que você esteja por lá e cantando.
                _Quanto tempo? – ela já havia se sentado, fazendo Lucca ficar em alerta.
                _Estou me trocando, é o tempo de colocar o tênis e sairmos. Vou enrolar.
                _Obrigada maninho, amo você!
                _Também.
                Desligaram e ela estendeu a mão para Lucca que a ajudava a se levantar enquanto explicava a ele que o pai estaria no colégio em vinte minutos no máximo.
                _Vamos logo então, não quero ele irritado.
                _Me desculpe por isso, você não precisa agüentar nada disso, você sabe. – torceu os lábios chateada. Se sentia ainda mais criança com essa situação.
                Entraram no elevador e ele segurou o rosto dela com as duas mãos.
                _Eu agüento esperar dois anos para te pedir em namoro se isso te preocupa. Aguento fingir que não temos nada na frente de outras pessoas. – enquanto falava se deu conta que cada palavra era verdadeira e pela primeira vez temeu o que sentia por ela, continuou após um longo suspiro – O que não agüento é ver alguém te machucar ou ser forçado a ficar longe de você.
                Saíram do elevador, Anelyse mal sabia como responder, por isso entrou no carro em silencio, fazendo de tudo para não precisar dele para se sentar. Colocou a mochila aos pés e puxou o cinto de segurança com um pouco de dificuldade por não conseguir virar o tronco, ele sentou ao lado dela e ajudou a prendê-lo.  

                _Giovanni! – gritou pela terceira vez da ponta da escada. O rapaz já não tinha como enrolar mais, molhou o cabelo na torneira e desceu descabelado, erguendo os braços para o alto exasperado.
                _Eu que to atrasado, não o senhor. Que saco! – entrou na cozinha e pegou um bolinho de chuva que a mãe estava preparando – Mãe, a senhora viu o meu tênis da Adidas?
                _No tanque. – estranhou, pois a poucas horas ele havia pedido para a mulher lavar o par que estava encardido.
                _Para de enrolar, moleque. – Luiz falou chegando na cozinha logo depois.
                Fingindo não ouvir, Giovanni buscou o tênis e o vestiu sem pressa alguma, depois fingindo estar correndo, voltou para o quarto, penteou os cabelos e saiu com a mochila e o contrabaixo sobre o ombro livre.
                _Pronto! – resmungou.
                Entraram no carro e o homem começou a dirigir apressadamente, passando alguns faróis vermelhos para chegar mais rápido. Giovanni falou novamente.
                _Estou atrasado, mas não to a fim de morrer hoje.
                O pai apenas o olhou enviesado.
                _Acha que não sei que você a avisou que iria levá-lo? – Giovanni sorriu de lado e deu de ombros – Se ela estiver com aquele moleque...
                _Qual o problema com ele? Pai, o cara além de rico é um excelente músico.
                Luiz pareceu ponderar a informação, respirou fundo.
                _Rico ou não, ele tem idade para ser tio dela.
                _Até uma criança poderia ser tio dela. – parou de falar quando sentiu o tapa que levou na boca. No ímpeto Giovanni quase revidou mas fechou o punho virando-se para a janela. Faltavam duas quadras e esperava ter dado tempo para ela voltar. O homem estacionou, mas antes que saísse do carro o rapaz o olhou nos olhos – Você está agindo como o bêbado que era.
                Não deu tempo dele revidar, abriu a porta e saiu a batendo com força para fechar. Luiz não se intimidou, também saiu trancando as portas e foi na direção do salão principal onde eram os ensaios da banda, ao que sabia, Anelyse deveria estar lá. As portas estavam fechadas. Ele passou por um dos rapazes da banda cumprimentando-o, o som da música ficando um pouco mais alto conforme avançava rampa acima.
                Giovanni começou a correr quando viu que o pai foi pela rampa, ele entrou pelo corredor abaixo do salão principal e subiu as escadas internas até sair pela porta lateral ao palco, Luiz ainda não tinha entrado no salão mas a portinha começava a ser aberta. Ele prendeu o ar observando rapidamente o ambiente buscando pela irmã, que não estava lá.


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