Amor e Música: Capítulo Primeiro




                Uma e quinze da manhã e os olhos de Anelyse continuavam abertos, focados nas estrelinhas brilhantes no forro do quarto, elas não brilhavam tanto como quando foram compradas, mas ainda assim, opacas, atrapalhavam-na de se concentrar em dormir quando fechava os olhos. Pensou seriamente em se empoleirar no armário e retirar uma a uma, mas faria barulho demais e certamente acordaria alguém.
                Uma e dezesseis.
                Bufou cobrindo o rosto com o cobertor cinza claro, era de um tecido áspero e pegajoso, que a fazia se lembrar dos mendigos que ajudavam em sua igreja, por causa do frio precisava do cobertor mais grosso para aplacar as geadas noturnas e não acordar com os pés congelados. O pensamento a levou a um dia especifico, quando viu o motivo da sua insônia pela primeira vez; era um sábado, dia das aulas de música que sempre terminavam em passeios, a maioria deles em uma pizzaria ou na casa de um dos rapazes para assistirem a um filme alugado, comer pipoca e se digladiarem para paquerar as garotas mais bonitas da turma. Raramente Anelyse era convidada, pois nunca foi uma delas, não tinha esse tipo de ambição, porém a partir daquele dia, desejou ser.
                A entrada da escola de Artes era lateral, com uma rampa de duas voltas até as portas principais, embaixo um portão de ferro e um corredor extenso que chegava até as salas de aula.
                Estavam na calçada frente à construção, quando sua amiga chamou a atenção para dois rapazes que desciam a rampa. Eram novos na escola, ambos com cabelos loiros, o mais velho com olhos verdes extremamente lindos, uma boca fina que deixaria qualquer menina caidinha e porte masculino, quase adulto que sempre encanta as adolescentes que tem quedinhas por homens mais velhos, exatamente como as duas. O outro era mais novo, algumas poucas espinhas na base do pescoço e na testa, óculos quadrado, vestia-se todo de jeans com uma camiseta branca por baixo da jaqueta.
                Era menos interessante não fosse pelo contrabaixo pendurado no ombro direito e o cubo para instrumentos seguro em sua mão esquerda. Todas as meninas tinham quedas pelos músicos e aqueles dois com certeza seriam os próximos alvos das bailarinas e outras artistas.
                Anelyse ficou paralisada observando-os até chegarem muito perto da saída e ela precisar sair do caminho para passarem. O olhar dela se cruzou com o do mais novo, pode ver o tom castanho claro e o sorriso morno que ele lhe lançou. Os cílios eram grandes fazendo com que os óculos descem um charme muito maior a ele.
                Sandra a puxou pela mão com risinhos e se afastaram até uma árvore num canto da calçada.
                _Quem são eles? – perguntou curiosa e não precisou falar mais nada para que Sandra lhe desse a ficha completa.
                _São primos, os Dalostto. O mais velho chama Ricardo e o mais novo Lucca. O Ricardo toca guitarra, é noivo, faz faculdade de música e já foi para o EUA estudar piano para se aprimorar, voltou esse ano. Eles eram do interior e vieram para São Paulo há um mês mais ou menos. O Lucca toca contrabaixo e dança muito mal, e a... sabe a Lidia?
                _Como você sabe que ele dança mal? – perguntou depois de assentir sobre a menina.
                _Ah só sei, boatos. – riu – Entãoooo, ele e a Lidia estão ficando.
                Anelyse soltou um suspiro pesado, depois da Sandra, a Lidia era sua segunda melhor amiga, não poderia paquerar o mesmo rapaz que ela gostava, por isso jogou bem para o fundo do peito o sentimento que tinha começado a surgir. Percebeu que estava encarando o contrabaixista e abaixou os olhos para as próprias mãos, lembrando a si mesma que era gordinha e não fazia parte do grupo das cobiçadas mas sim das que desejavam ser.
                _Quantos anos ele tem?
                _Qual deles? – novamente o risinho malicioso.
                _Os dois. – mentiu.
                _O Ricardo tem uns vinte e três, faz até faculdade, legal ne? – Anelyse concordou impaciente, esperando a resposta seguinte – O Lucca, acho que tem dezoito.
                _Dezoito? – indignou-se – Por que todos sempre são mais velhos do que eu?
                Ela tinha apenas quinze anos, considerava os rapazes de sua idade bobos demais para serem namoráveis, preferia os mais velhos, mas o pai era rígido e não permitia, dizia que o namorado ideal teria a mesma idade ou no máximo um ano a mais que ela, Lucca era três anos mais velho e talvez já estivesse até no exército, completou o pensamento com um suspiro chateado.
                Agora, olhando para as estrelinhas de novo, só pensava em como voltar atrás, o que precisaria fazer para ao menos se fazer notável para uma possível amizade sincera e um amor platônico mais digno, mas não sabia como, pois, todas as suas tentativas tinham sido fracassadas e o empurravam para mais longe dela.
                Uma e vinte e cinco.
                A garota balançou a cabeça e afastou o cobertor do corpo, ouviu o ruído do celular e foi até a escrivaninha checar a mensagem que acabava de chegar.
                “Dez de agosto, aniversário do Lucca”.
                Era um lembrete e não uma mensagem, ela gemeu baixo correndo de volta para a cama, o frio não permitia que tivesse mais que um curto passeio noturno. O inverno estava castigando. Agora além de remoer a quase conversa que tiveram mais cedo, teria de se conformar a não cumprimenta-lo pelo aniversário, pois tinha certeza que não conseguiria se aproximar o suficiente para isso. Girou na cama procurando a posição anterior, o colchão estava gelado demais, precisava do calor acumulado de antes de se aventurar até a escrivaninha.

                Acordou exatamente às cinco e trinta da manhã, esfregando os olhos que pareciam possuir micro tijolos dentro deles, coçavam e estavam ásperos por não ter dormido bem. A boca estava amarga, o estomago ardendo e uma leve falta de ar que a obrigou a usar a bombinha para a asma. Levantou preguiçosamente ouvindo as chamadas do irmão mais velho, pois se atrasariam para a aula. Anelyse apenas bufou, jogou o moletom nas costas e se arrastou para o banheiro do quarto com os olhos fechados, tateando a parede para não tropeçar, ainda tateando abriu a torneira do chuveiro sentindo a água quente na ponta dos dedos e se despiu. Deixou a água cair sobre o rosto frio até perder o fôlego e quase desperta, tomou seu banho.
                As lembranças vieram devagar, o final de semana tinha sido um dos piores desde que conheceu Lucca há alguns meses, tinha sorte por ser segunda-feira e não precisar encontra-lo até o próximo sábado, não saberia como lidar com mais do que dois dias de rejeição por semana ou com sua segunda melhor amiga ressaltando todas as más qualidades dele quando ele não estava por perto. Tinha vontade de dizer a ela que desse mais valor ao homem que estava namorando, mas nunca achava coragem para isso.
                Vestiu o uniforme azul marinho do colégio, a camiseta branca por baixo do moletom, prendeu os cabelos negros em uma trança e saiu do quarto para preparar o café da manhã, ignorando os pensamentos ruins que queriam fazê-la voltar para a cama e não sair mais.
                Apesar do irmão sempre reclamar que ela demorava a se levantar, era o ultimo a terminar de se arrumar todas às vezes, por isso havia tempo de sobra para passar o café e preparar um pão na chapa para ambos. Quando terminou Giovanni estava sentado à beira da mesa da cozinha, o cabelo castanho bagunçado, o óculos pendurado na ponta do nariz, uma camiseta amarrotada embaixo do blusão do time de futebol e o tênis enfiado no pé de qualquer jeito.
                _Arruma direito essa roupa! – ralhou o servindo com café e leite e deixando o pão num pratinho para ele.
                Giovanni Fantini era dois anos mais velho que ela, mas não muito responsável, havia repetido de ano algumas vezes, por isso agora estudavam na mesma turma, o que não ajudava muito a menina a ser popular, apesar do irmão ser. Eram conhecidos como Sandy e Junior sem dinheiro, pois cantavam e tinha as feições muito parecidas com a dos irmãos, porém eram muito pobres e nada famosos.
                Ele nunca a ouvia e depois de terminarem o café ela própria ajeitou a roupa dele e saíram, estavam atrasados, pois a aula começava às sete da manhã e já passava das seis e vinte; por não terem dinheiro suficiente para o ônibus, costumavam ir a pé, para desgosto dela que sempre tinha fortes crises de asma no trajeto.
                O rapaz gostava de conversar e era o único momento que tinham, pois ela não aguentava andar e conversar ao mesmo tempo e ele podia dizer tudo o que quisesse sem ser interrompido.  Aproveitou o caminho de mais de trinta minutos e relatou a ela tudo o que fizera naquele final de semana.
                _Sabe o Lucca? Vai me ajudar com o baixo. Vai me dar aulas.
                _Legal. – respondeu ela com um frio na boca do estomago – Sabe que... – puxou o ar com dificuldade, diminuindo o ritmo das passadas – hoje é aniversário dele? – perguntou olhando enviesado para o irmão.
                _Quer parar um pouco? – questionou ao notar que ela estava com os lábios brancos e claramente com falta de ar, a menina negou forçando o corpo a obedecer, ele andou mais devagar, apoiando a mão nas costas dela para ajuda-la no caminho – Não sabia, será que vai ter festa?
                _Não... sei. – respondeu ouvindo o chiado familiar quando a crise de asma se inicia.
                Ele a fez parar, apesar de implicarem, se amavam e cuidavam um do outro, ao menos longe dos olhos das pessoas na escola. Giovanni puxou a bombinha da mochila dela e entregou para que ela a usasse. Estavam atrasados, mas esperou paciente até que a cor voltasse aos lábios dela e pudessem voltar a andar. Ela sentia um nó na garganta, queria chorar ou arranjar um emprego para ao menos poderem pegar um ônibus e não sofrer todos os dias com a distância.
                _Melhor? – ela fez que sim e voltaram a andar, faltavam alguns quarteirões e o pior deles se iniciava, uma subida íngreme até a próxima esquina, ela deixou uma lágrima escapar, limpando rapidamente e andando corajosa atrás do irmão, ele continuou a conversa, estava animado com a ideia de fazer parte da banda – Então, vou aprender a tocar contrabaixo, não é maneiro?
                _Muito. Onde... serão... as aulas? – perguntava tentando controlar a respiração para não precisar parar de novo.
                _Em casa.
                _O que?
                Ela parou bruscamente sentindo o ar faltar mais uma vez, usou a bombinha duas vezes quando ouviu uma buzina e seu irmão acenou para alguém atrás dela. Se virou e deu de cara com Lucca dirigindo um Fiat Uno quadrado, preto. Ela sabia que era o carro do pai dele e que o rapaz acabara de tirar a carteira de motorista, sorriu ainda sentindo a respiração pesada, pedia internamente para que ele não notasse.
                _Entra ai, levo vocês na escola.
                Mesmo morrendo de vergonha, ela agradeceu a carona, temia que não chegassem nunca e a bombinha estava no fim, só poderia pegar mais uma na doação no próximo mês e faltavam ainda vinte longos dias.
                Giovanni se jogou no banco do passageiro e Anelyse se ajeitou no banco detrás, colocando a mochila no colo e a abraçando timidamente.
                _Obrigado pela carona cara, ela não tava passando bem.
                Anelyse fechou apertou os olhos querendo encontrar um buraco muito fundo para se esconder, sentiu que ele a encarava e espiou, murmurando um tímido parabéns.
                _O que? – perguntou ele.
                _Feliz Aniversário, Lucca. – disse mais alto.
                E ele sorriu, só aquele sorriso serviu para alegrar todo o dia dela e fazer se esquecer do sono, da canseira, da falta de dinheiro, de tudo. Sorriu de volta e desviou os olhos para a janela.
                _Obrigado Anne. – respondeu ele voltando a dirigir – Respira bem aí.
                Anne, Anne... – pensou soltando um suspiro longo, rindo para seu reflexo na janela.
                _É cara, parabéns! Quantos anos?
                _Vinte. – respondeu ele – Obrigado.
                _Vai ter festa?
                Anelyse observou o motorista com curiosidade, sabia que não seria convidada, mas talvez soubesse pelos modos dele, se gostava de festas como seu irmão. Lucca estampou um sorriso satisfeito, confirmando com a cabeça.
                _Claro! Comemorar a Carteira de motorista e a idade. – riram – Você pode ir, será na sexta depois das dez da noite, lá na minha casa.
                A menina percebeu que ele direcionou o convite apenas a Giovanni e viu o irmão encolher os ombros, sabia exatamente o que ele pensava e ele confirmou ao falar em voz alta.
                _Pena ser na sexta, não poderemos ir.
                O veiculo estacionou na frente do portão da escola e Anelyse reparou como estava repleto de alunos, era a primeira vez que chegavam tão cedo. Olhou no relógio e faltavam dez minutos para o inicio da primeira aula, sorriu com isso e também pelo irmão tê-la incluído – mesmo que sem propósito – na recusa à festa, como se tivesse sido convidada.
                _E por que não? Queria você lá. – resmungou Lucca que parecia realmente chateado.
                Giovanni deu de ombros, cumprimentou o amigo com um aperto de mão diferente e começou a sair do carro. Lucca olhou para a menina como se quisesse uma resposta.
                _Não podemos sair em dias de semana, só no final de semana. – explicou depois que o irmão já não podia mais ouvir – Mas não comenta com ele, isso o chateia bastante.
                O que ela ocultou, era que não podiam sair por não ter dinheiro para a condução, Lucca morava em um bairro vizinho, distante da casa deles e sabia que o pai negaria a levá-lo de carro alegando não ter gasolina, mesmo que tivesse.
                _Ta certo, obrigado por me contar.
                Anne colocou a mão sobre o braço dele que estava repousado no banco do passageiro, esticou-se beijando-o no rosto e abriu a porta do banco de trás.
                _Eu que agradeço a carona. Espero que seu aniversário seja o melhor de todos.
                Disse verdadeira e ele assentiu se virando para a janela quando ela já não estava mais no carro. Anelyse ficou paralisada na calçada esperando que o rapaz se afastasse, mas ele permaneceu a fitando; ergueu os olhos e já não via mais Giovanni que tinha encontrado com seus amigos, por isso chamou Anelyse que se aproximou insegura, duvidando que fosse com ela, apesar de ser a única conhecida do rapaz naquela calçada.
                _Quer que eu te pegue na saída? – perguntou baixo, parecia distante, ela não soube definir o que via em seus olhos castanhos.
                _Eu? Por quê? – suas mãos tremiam e por causa do nervosismo de estar perto dele, a falta de ar causada pela asma começava a voltar, a fazendo puxar o ar com dificuldade.
                _Por isso... você não está bem e não quero você andando até sua casa desse jeito. – explicou.
                Está com dó de mim. – pensou ela, mas disse – Não precisa, mas obrigada... já me acostumei e na volta é mais fácil porque é só descida, sabe?
                _Mesmo assim. Estou trabalhando nessa região por esses dias e não tenho horário fixo. Que horário termina sua aula?
                Ela sentiu um nó no estomago, não sabia se aceitava a carona e dizer o horário seria quase dizer que sim. Levou a mão ao bolso da calça sentindo a bombinha ali e se acalmou um pouco. Ele a fitava aguardando uma resposta pacientemente.
                _Meio dia. – disse por fim.
                _Ótimo, seu irmão sai no mesmo horário?
                _Às vezes ele vai antes porque cabula aula ou vai jogar bola na quadra, mas quase nunca sai comigo. – entortou os lábios imaginando que ele desistiria de levá-la, mas o sorriso dele pareceu melhorar com a informação e viu um brilho em seus olhos que ela só via quando ele tocava contrabaixo nas reuniões. Seu coração disparou.
                _Ótimo. Quero dizer... – ele apertou os lábios virando-se para dentro do carro – Te espero na esquina ao meio dia. Tchau Anne. – nem esperou a menina responder, disparou pela avenida até sumir de seu campo de visão.
                Anelyse estava estática, a contragosto usou mais uma vez a bombinha para conseguir chegar até a sala de aula, onde desabou na última carteira, atrás da mesa de sua quase melhor amiga.
                _Nuooosssaaa, o que houve que chegou no horário hoje? – gargalhou Sandra virando-se na carteira para olhar Anelyse, ela tentava respirar calmamente para os pulmões funcionarem sozinhos. Sandra já conhecia essa rotina, por isso esperou, tamborilando as unhas pintadas de vermelho sobre a mesa da amiga.
                _O Lucca me trouxe.
                Não pretendia responder, já que elas estavam sem se falar a algumas semanas, depois que acusaram de não fazer sua parte em um trabalho escolar, pois Anne não comparecera à Biblioteca como combinado. Porém todos sabiam que a maior parte das pesquisas e do trabalho fora feita por ela e que não foi a biblioteca apenas por estar com mais uma crise asmática. Ficou triste por sua amiga não tê-la defendido na ocasião e desde então, respondia o mínimo possível.
                Desta vez, porém precisava falar, ficou cerca de vinte minutos no mesmo carro que Lucca, trocaram palavras e ele a buscaria mais tarde!
                _Quem? – questionou incrédula.
                _Lucca...
                _O da escola de música?
                _Anram.
                _Por quê? E a Lidia?
                Anelyse revirou os olhos e se aproximou de Sandra, esticando o corpo.
                _Dó talvez, não importa. Ele trouxe a mim e meu irmão e vem me buscar na saída.
                Os olhos da garota brilhavam e automaticamente contou quantas horas faltavam para vê-lo novamente. Cinco longas horas. Mau se agüentava de felicidade, pois ele tinha conversado com ela, sabia seu nome e se preocupava com sua saúde, não importava se nos encontros aos finais de semana nem notava que ela existia, essa era a melhor segunda-feira de sua vida.           
                _Dó? Você se rebaixa demais, Anne. Esse cara namora sua amiga, nunca nem te dirigiu a palavra e vai aceitar uma carona por dó? Não se ilude. Isso é consciência pesada.
                Anelyse sentiu os olhos marejados, mas a amiga estava certa, ele era amigo de seu irmão e talvez tenha se sentido mal por vê-la com falta de ar e decidiu ajudar apenas em consideração a Giovanni. Suspirou e se ajeitou na carteira ao ver a professora iniciando a chamada, quando disse seu nome que era sempre um dos primeiros, a menina levantou a mão para que a professora a identificasse e desse presença.
                _Chegou no horário Anelyse, isso é raro.
                _Cheguei. – resmungou afundando na carteira ao ouvir toda a turma rir dela.    
                A professora era uma mulher magra de cabelos negros e pele muito branca, usava um óculos moderno e roupas estranhas, mas era excelente em ensinar, chamava-se Renata e possuía não mais que trinta anos. Dava aulas por gostar muito da língua inglesa, mas diferente dos outros professores, era atenta a seus alunos.
                _Aproveitando sua presença, Anelyse, levante-se e leia o texto da página cento e seis.  
                Resmungou novamente, pois sua pronuncia não era muito boa, porém obedeceu colocando-se em pé com o livro entre os dedos.
                A aula passou arrastada e sentia como se já tivessem passado horas quando ainda nem estavam perto de terminar a última aula do dia. Sandra estava entretida em um jogo de vôlei na aula de educação física – que Anne não participava por causa da asma – enquanto esta, sentara no palanque da escola, escrevendo poesias bregas em seu caderno de rascunho, olhando de minuto em minuto as horas no relógio de pulso.
                Um motor de carro rugiu a alguns metros fora dos muros da escola e automaticamente encarou as grades do portão principal. Era de grades muito próximas, mas possibilitava reconhecer a silhueta das pessoas ou dos carros que estacionavam. O veiculo era preto e parecia-se muito com um uno quadrado. O estomago da morena se remexeu e ela encarou o relógio temendo ter perdido a hora, mas ainda era onze e dez da manhã.
                Por que ele chegaria com cinqüenta minutos de antecedência? – se perguntou recolhendo o material para sentar em outro lugar, evitando que ele a visse ali.
                Porém ela não percebeu que ele a notara e de dentro do carro a observava no pátio. Lucca não entendia seus motivos e achava que era apenas preocupação, pois sua irmã mais velha sofrera de asma por muitos anos. Percebeu que a menina olhou na direção do veículo e disfarçou olhando para outro lugar.
                Novamente ela encarou o portão e sumiu do seu campo de visão.
                O coração da menina estava disparado como nunca esteve e ela ficou com medo de passar mal novamente, por isso foi à diretoria onde havia um inalador e solicitou a psicóloga da escola para usá-lo, pois não se sentia muito bem.
                _Pode entrar lá, Anelyse, sabe onde estão as coisas? – respondeu a mulher de meia idade. Ela lia um romance sentada em sua mesa.
                _Sei sim. Da licença dona Rose.
                A mulher apenas fez um sinal para que a menina se retirasse e voltou a leitura. Anne ficou feliz em usar o inalador, pois levaria o tempo exato para o fim da última aula e ainda sairia da escola se sentindo muito bem para encarar o rapaz.
                Enquanto usava o aparelho, fechou os olhos recordando o acontecido no último final de semana. Tinha sido abordada, na reunião de jovens, por Ricardo primo de Lucca e líder da banda, pois a vocalista não aparecera e eles precisavam de alguém para substituí-la, Anelyse aceitou o convite, pois um de seus maiores desejos era cantar com eles, porém quando subiu ao palco, Aline – a cantora oficial – chegou correndo e solicitou o microfone. Ricardo não permitiu que esta subisse ao palco e informou que Anelyse cantaria em seu lugar, ordenando que não se atrasasse novamente se não quisesse ser substituída.
                A apresentação aconteceu com facilidade e desenvoltura, até que Ricardo anunciou diante do grupo que a próxima música era um solo feminino e seria feito por Anelyse. A morena travou, ouviu a introdução da música três vezes, mas não encontrou sua voz, quando ergueu os olhos para o líder, notou atrás dele como Lucca parecia irritado, ele golpeava as cordas do contrabaixo com raiva e era visível o desapontamento de todos.
                Sutilmente Aline subiu ao palco, retirou o microfone das mãos da garota e assumiu o solo, cantando divinamente e salvando o que seria um completo fiasco.
                O vapor do inalador havia cessado e o som chato de sucção a levou de volta para o momento presente, percebeu ter finalizado a dose, guardou tudo e se preparou para a saída, pois o sinal sonoro da escola anunciava o final da última aula.
                _Obrigada dona Rose, até amanhã.
                _Melhorou?
                _Muito. Até amanhã. – se apressou, ganhando a rua.
                Olhou diretamente para o portão da garagem da escola e confirmou suas suspeitas, o carro era mesmo de Lucca. Ele estava encostado à porta do passageiro, lia um livro displicentemente, mas ela percebeu que olhava para dentro do colégio a todo momento. Se aproximou lentamente, temerosa, mas ele sorriu como se a visse ali, a poucos passos.
                _Oi. – disse ele.
                Ela devolveu o sorriso e ambos se encararam. Anelyse tinha as mãos tremulas, mas a respiração calma pelo efeito dos remédios. Sem pensar Lucca jogou o livro no banco de trás do carro, pela janela aberta e estendeu a mão para ela, a convidando a se aproximar.
                _Está ai há muito tempo? – queria saber se ele diria a verdade e esperou, aceitando a mão dele e se aproximando quando ele a puxou.  
                _Algum tempo. – respondeu sem querer dar detalhes.
                Lucca estranhou a sensação que sentiu ao tocá-la, não se sentia assim desde os primeiros meses de namoro com Lidia, que agora pareciam menos com um relacionamento e mais com uma guerra civil de tanto que brigavam.
                Anelyse mordeu o canto do lábio e abriu um sorriso, não conseguia disfarçar a felicidade dele estar segurando sua mão e olhando para ela, quase o endeusava de tanta paixão, e exatamente quando decidiu dar um basta aos sentimentos em seu coração, ele surgiu como um príncipe num cavalo branco a resgatando do mau estar e agora estava diante dela, mais reluzente do que nunca.
                Suspiraram ao mesmo tempo, ambos sem saber o que dizer. Anelyse não sabia como tirar a mão dele e simplesmente entrar no carro e ele não sabia porque ainda estava com a mão dela entre as suas.
                _Ei cara, achei que já estivesse a quilômetros daqui! Passou o dia conversando com a minha irmã?
                Se afastaram bruscamente ao ouvir a voz de Giovanni, o rosto de Anelyse se tornou rubro e ele riu dela, sem notar que Lucca também reagira assim.
                _Eu voltei, achei por bem deixá-la em casa antes de voltar ao trabalho. – explicou.
                Giovanni apertou os olhos, observou como ambos estavam próximos antes dele chegar e fechou o cenho.
                _Ela tem irmão cara, não se preocupa.
                Lucca fez uma careta com o golpe das palavras de Giovanni, mas não respondeu, apenas assentiu lentamente.
                O irmão segurou no braço de Anelyse puxando a mochila dela e jogando em seu próprio ombro e começou a direcioná-la para o caminho de casa.
                _Calma, eu levo vocês. – anunciou Lucca, balbuciando nervosamente.
                _Não precisa, mano. Valeu mesmo pela carona, mas não queremos abusar, não é Anelyse?
                A menina apenas confirmou, pois ele era o mais velho e seus pais haviam ensinado a sempre obedecê-lo, mas no fundo queria esmurrar o irmão por fazer passar vergonha e resolver ir para casa justo quando o homem dos seus sonhos a levaria.
                _Você não tem jogo? – perguntou baixo, encarando-o.
                _Tinha, mas não vou.
                _Gio, espera véi, deixa eu levar vocês, sua irmã não está bem. – chamou Lucca às costas dele.
                Os amigos mais chegados de Giovanni costumavam chamá-lo de Gio. O rapaz se virou e encarou a menina, percebendo que Anelyse realmente não estava bem. .
                _Beleza, mas não precisava. – olhou para o baixista.  
                Anelyse respirou fundo quando o irmão a soltou e se direcionou ao carro aceitando a carona, não entendera a reação de Giovanni, mas não deixaria barato. Pulou para o banco de trás do carro, enquanto o outro se sentou no banco do passageiro. Estava constrangida, por isso não olhou para Lucca mesmo notando que ele a olhava de soslaio.
                _A aula foi boa? – perguntou Lucca tentando amenizar o clima estranho.
                _Foi chata. – sussurrou Anne ao notar que o irmão não pretendia responder.
                _Fez educação física hoje? – questionou olhando de lado para ela e voltando a atenção ao caminho.
                _Não... só assisti. Não consigo jogar... – fez uma careta.
                _Desde quando vocês são amiguinhos? – alfinetou Giovanni.
                A menina se encolheu atrás dele e percebeu que tinha sentado sobre o livro que Lucca jogou ali. Recolheu o volume e ficou admirada quando percebeu ser um romance. Não imaginaria que ele gostava desse tipo de leitura.     
                _O que deu em você? Só ofereci uma carona. – irritou-se – Alem do mais, não sabia que era proibido falar com a sua irmã.
                _Não é, mas você nunca fala com ela.
                _Mas agora falo. – retrucou Lucca.
                _Por que? Vai terminar o namoro e catar minha irmã? – Anelyse arregalou os olhos e abaixou o rosto envergonhada.
                _Claro que não cara, se liga! – Lucca passou os dedos pelos cabelos e olhou para Anelyse que parecia estar piorando, sua respiração estava descontrolada – Olha ai, ela ta passando mal, precisava de cena de ciúmes agora? – o rapaz colocou a mão nos cabelos de Anelyse os afagando.
                _O que ta rolando?    
                _Nada!! – gritou Anelyse atrás dele.
                O carro parou e ela percebeu que estavam na frente de sua casa. Pegou seu material e saiu do carro, tentou enfiar a chave na fechadura mas não conseguia de tanto nervosismo. Giovanni a acompanhou fechando as duas portas.
                _Obrigado de novo e não se preocupa, ela sempre fica assim quando anda muito. Pode ir.
                Anelyse o fuzilou com o olhar destrancou o portão e o abriu. O irmão se virou para entrar e ela colocou o material nos braços dele.
                _Já entro, pode ir lá. – conseguiu dizer apesar de sentir que lhe faltaria o ar a qualquer momento. Giovanni a desafiou com o olhar, mas ela permaneceu dura, desviando os olhos dele somente quando notou que Lucca ligou o motor do carro – Espera Lucca. – disse e voltou a encarar o irmão.
                Com um sorriso debochado Giovanni se aproximou dela, sussurrando apenas para ela ouvir.
                _Namorado traíra e melhor amiga traíra. A Lidia está bem cercada, não acha?
                E a deixou sozinha, remoendo as palavras. Ela esperou até ouvir a porta da sala se fechando e entrou novamente no carro de Lucca. Queria se desculpar, mas não sabia exatamente pelo que. Suspirou cansada.
                _Desculpe a cena, não sei o que deu nele.
                _Ciúmes. – deu de ombros – Irmãos mais velhos geralmente são assim com as irmãs mais novas.
                Ela fez uma careta e ele colocou a mão sobre a dela que estava repousada em sua coxa.
                _Obrigada pela carona.
                _Não há de que. Vai ao meu aniversário na sexta?
                Ele não parecia nada abalado com as palavras de Giovanni e ela conseguiu relaxar com isso, mas foi obrigada a negar.
                _O convite era estendido à mim também? – sorriu vendo a confirmação dele – Que pena. Também não posso ir. – mordeu o lábio timidamente.
                _Nem se eu buscar você? – ele se apressou a corrigir – Vocês, quero dizer.
                Ela ponderou, o problema era o dinheiro da condução, se ele os buscasse e levasse, talvez pudessem comparecer ao aniversário. A menina abriu um sorriso esperançoso.
                _Vou falar com os meus pais e peço ao Gio que te avise.
                _Por que você mesma não me avisa?
                Ela gaguejou.
                _E... eu?
                O sorriso dele a fez se esquecer momentaneamente toda a vergonha que Giovanni a fez passar.
                _Anota meu celular, se vocês decidirem ir me avisa que pego vocês aqui as nove da noite.
                Ela anotou o número na última folha do caderno de rascunho, onde havia um dos vários poemas que escrevera para ele. Não percebeu que enquanto escrevia ele leu o início.

                Tarde chuvosa,
                A natureza também chora a indiferença.
                Gotas dengosas,
                Caem pesadas das folhas de laranjeira.

                _Mando mensagem do celular do meu irmão. – avisou.
                _Você não tem um?
                Ele tentava ler mais alguma frase, mas ela fechou o caderno ainda sem perceber sua curiosidade.
                _Tenho, mas está sem credito. – riu.
                _Anota ai seu numero. – ele estendeu o aparelho a ela, que digitou rapidamente o numero de seu celular e o devolveu – Posso te levar amanhã?
                _O que? Por quê?
                Deu de ombros esperando a resposta, mas ela começou a negar.
                _Por causa do seu irmão? Deixa ele a pé... você não consegue dar alguma desculpa?
                _Mas... a gente sempre vai junto, só a volta que não. Nem sei porque ele veio hoje.
                _Anelyse, entra! – ouviram a voz do mais velho de dentro da casa. Ela respirou bem fundo fechando os olhos.
                _Fica para trás e diz para ele que não precisa esperar... eu te pego.
                O coração da menina saltou mais uma vez, ela não entendia porque ele pedia algo tão estranho como levá-la para a escola e despistar seu irmão. Seu romantismo achava lindo aquele gesto mas a razão gritava que era apenas porque ele queria ser solidário e fazer sua boa ação diária a levando para a escola mais um dia.
                _Vou tentar... mas isso é estranho.
                Ele coçou a nuca percebendo que era realmente estranho.
                _É... eu sei. Queria conversar, só isso.
                _Comigo? Conversar o que?
                Novamente deu de ombros, realmente queria conversar, não tinha um assunto especifico, mas não seria naquele momento e com Giovanni os encarando agora do portão.
                _Você tem lição para fazer.
                Ótima forma de jogar na minha cara que sou criança e ainda faço lição de casa! – pensou ela. Rapidamente beijou a bochecha de Lucca e o encarou, sussurrando – Vou tentar. Feliz Aniversário, ta?
                _Obrigado, de novo. – riu – Vai se não ele te devora.
                Timidamente ela saiu do carro e Giovanni bateu a porta do passageiro antes que ela fechasse. A menina bufou cruzando os braços.
                _Precisa ser estúpido assim? Ele é seu professor esqueceu?
                _Não será mais, não quero ele frequentando a nossa casa.
                _Ah é? E por que não?
                Lucca via pelo retrovisor do carro que eles discutiam, só não conseguia ouvir o que falavam. Ficou chateado por causar aquela confusão e mais ansioso pelo dia seguinte.

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